A discussão que vem sendo travada em torno do Projeto de Lei
– PLC – nº 122, de 2006, em tramitação no Senado Federal, tem revelado um
aspecto nas argumentações dos fundamentalistas religiosos – e faço esta
categorização porque seria injustiça tratar todos os evangélicos como fanáticos
medievais – que tem passado despercebido em muitas discussões.
Não há nenhum dispositivo no Projeto de Lei – PLC – nº 122
de 2006 que pretenda impedir a justa e legítima manifestação religiosa, até
porque o direito à liberdade de culto e de expressão religiosa está plenamente
garantido pela Constituição Federal, no artigo 5º, inciso VI: “é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto
e a suas liturgias”. Da mesma forma, a liberdade de manifestação do pensamento
está garantida pelo inciso IV do mesmo artigo 5º: “é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato”.
O que os fundamentalistas religiosos parecem não entender –
ou não querer entender – é que, mesmo o princípio da liberdade de
expressão, contido no inciso IV do artigo 5º recém mencionado, não é um valor
absoluto, acima de tudo e de todos. E que (esse mesmo princípio) deve ser
considerado à luz de outros dispositivos constitucionais, tais como o inciso
III do artigo 1º, que proclama como um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil “a dignidade da pessoa humana”, bem como o inciso IV do artigo 3º da
mesma Lei Maior da Nação, que afirma como um dos objetivos fundamentais da
República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Processo de
“Habeas Corpus” HC 82424 / RS – RIO GRANDE DO SUL, proferiu uma decisão negando
a ordem de “habeas corpus”, e vale à pena ler este Acórdão, do qual destacamos
este trecho da Ementa: “13. Liberdade de expressão. Garantia
constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O
direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações
de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não
são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica,
observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º,
§ 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não
consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não
pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os
delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade jurídica".
Portanto, não há nada de repressivo contra quaisquer
religiões, mas o proselitismo religioso que venha a incitar ao ódio e à
intolerância poderá, sim, ser objeto de jurisdição por parte do Estado, e será
o Judiciário que dará a palavra final.
Como podemos ver, algo absolutamente democrático e muito
diferente da propaganda leviana e mentirosa que vem sendo feita pelos
fundamentalistas religiosos contra o PLC nº 122 de 2006. Não se pode confundir
o direito de liberdade religiosa com o direito irrestrito de ofender e
discriminar.
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Paulo Mariante é advogado e coordenador-adjunto de Direitos
Humanos do Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual, em Campinas/SP.
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